sexta-feira, 3 de maio de 2013

Brincar é coisa séria

Uma pesquisa revela que as crianças brasileiras brincam pouco – e que os pais não ajudam a mudar esse quadro


Anna Paula Buchalla (Revista Veja)



As crianças brasileiras não brincam o bastante. Esse é o cenário revelado pelo maior e mais minucioso levantamento já feito no Brasil sobre o hábito de brincar de meninos e meninas entre 6 e 12 anos. Encomendada pela multinacional Unilever e conduzida pelo Instituto Ipsos, a pesquisa foi feita em 77 cidades – um universo que representa 31,5 milhões de pais e 24,3 milhões de crianças. 

O resultado é preocupante porque dedicar pouco tempo aos jogos pode comprometer o desenvolvimento infantil. Brincar é um dos quatro parâmetros usados para medir o bem-estar de uma criança – ao lado da qualidade do sono, da alimentação e da higiene.

Como definiu Brian Sutton-Smith, um dos principais educadores dos Estados Unidos: "O contrário de brincadeira não é trabalho. É depressão". Crianças que brincam mais se tornam jovens e adultos melhores. Os jogos e divertimentos (civilizados, é claro) estimulam a inteligência, ensinam valores, colocam a criança em contato com suas habilidades e dificuldades, despertam a imaginação e a criatividade e aliviam tensões.


Um em cada três pais ouvidos na pesquisa acha que as crianças devem se preparar para a concorrência profissional futura desde cedo e 84% concordam que, para estarem preparadas para a vida, as crianças devem brincar menos e estudar mais. Com isso tudo, os jogos tendem a ficar restritos ao período em que as crianças estão na escola. 

No ambiente escolar, porém, a brincadeira é organizada e monitorada por adultos, que determinam o repertório dos jogos e ditam as regras. "O efeito disso é que, quando essas crianças têm a oportunidade de brincar sozinhas, elas simplesmente não conseguem. Faltam-lhes criatividade e imaginação", afirma Ann Marie.

E elas implicam que os pais também brinquem com seus filhos. Por meio dessas brincadeiras conjuntas, as crianças assimilam melhor o respeito às regras e a necessidade de ter paciência e persistência na perseguição de objetivos. Além disso, os jogos compartilhados fortalecem os vínculos afetivos. 

O levantamento da Unilever mostra que o que acontece nas famílias brasileiras é justamente o oposto: as crianças brincam pouco com seus pais. "Brincar não é um atributo genético. Brincar é uma atividade que se aprende", diz o educador Celso Antunes, autor de mais de quarenta livros sobre educação. O papel dos pais nesse processo é fundamental. 


Em especial, nos primeiros anos de vida da criança. É essencial que eles a ensinem a brincar, proporcionando não só os brinquedos, como também se dispondo a indicar como funcionam. Mas há um limite na participação dos adultos nos jogos infantis, alertam os educadores. Os pais devem brincar com seus filhos – mas não pelos seus filhos. Pai ao estilo animador de bufê infantil acaba tirando a espontaneidade da criança (e é também um embaraço, convenhamos).

Uma conjunção de fatores ajuda a explicar por que as brincadeiras se tornaram escassas na vida das crianças. O primeiro deles é que, desde muito cedo, elas se tornam dependentes de televisão, vídeos e computadores. Não se trata de condenar esses passatempos. 


O errado é passar muito tempo diante de tais aparelhos. Os meninos e meninas brasileiros são os que mais vêem televisão em todo o mundo. Isso lhes consome, em média, três horas e meia por dia. É muito tempo. "Ver televisão não é brincar", disse a VEJA a psicóloga Ann Marie Guilmette, professora da Brock University, do Canadá. 

A passividade dos pequenos diante de um aparelho de TV não substitui os estímulos de um jogo de tabuleiro ou de um esconde-esconde. No entanto, um dos dados mais surpreendentes da pesquisa é o fato de que, para 97% das crianças brasileiras, ver televisão, DVD ou vídeos é sinônimo de brincadeira – e essa é a favorita delas.

Outro hábito que tem roubado o tempo de diversão das crianças é a preocupação excessiva dos pais com o futuro profissional de seus filhos. O tempo livre delas agora é ocupado com cursos de línguas, balé, esportes e computação, entre outros. 

Nas últimas duas décadas, depois de uma série de pesquisas, ficou claro para os estudiosos do desenvolvimento infantil que relações familiares sólidas têm um peso preponderante na formação de profissionais de sucesso. 

Evidentemente, não dá para querer voltar ao passado, quando a família dispunha de tempo e disposição para passar horas e horas ao redor de um tabuleiro de War, Banco Imobiliário ou Detetive. A vida ficou mais corrida e pais e filhos já não se reúnem tanto. 

Nos últimos vinte anos, o número de jantares e férias em família caiu 33% e 28%, respectivamente, de acordo com um levantamento americano. Esses índices podem ser estendidos à realidade brasileira, segundo os especialistas. 

Nada disso, no entanto, deve servir de desculpa para não brincar com os filhos. 

Para o educador Celso Antunes, quinze minutos por dia são suficientes: "Desde que esse seja um tempo planejado, desejado e feito com o mesmo empenho com que se caminha na esteira da academia de ginástica". O triste é que brincar com os filhos é fonte de prazer para apenas 14% dos pais. 


A brincadeira precisa ser prazerosa e variada para ter qualidade. Os pesquisadores do Instituto Ipsos criaram o "Índice Brincar" para avaliar a qualidade das brincadeiras, levando em conta o tipo de atividade e o tempo gasto com ela. 

De acordo com esse índice, 39% das crianças brasileiras não brincam como poderiam. "Porque brincam pouco, nossas crianças estão desperdiçando boa parte de sua infância, o que é muito triste", diz a psicopedagoga Maria Angela Barbato Carneiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e consultora da pesquisa. 

Portanto, tire seu filho da frente da televisão, pegue a bola e desça até a quadra do prédio. Lembre-se: com você, bastam quinze minutos por dia. 



Fonte: Aqui



Nenhum comentário:

Postar um comentário